DO ALMANAQUE PARA 1904
30/12/2016 15:38:35
A importância do reconhecimento… a Escola do Bombeiro
Texto/Pesquisa: Luís Miguel Baptista
INTRODUÇÃO
Longe vão os tempos em que a chegada do novo ano era
anunciada especialmente através do almanaque ilustrado “O Bombeiro”, publicação
semelhante ao histórico e ainda existente “Borda d’Água”.
Segundo uma das definições do seu significado etimológico,
almanaque corresponde à “designação de uma publicação de periodicidade anual,
que contém calendário, curiosidades e dados científicos, inscrições de
aniversários, listas e pequenos escritos jocosos ou de entretenimento.”
O bombeiro Oliveira Cruz, dos Voluntários da Ajuda, foi quem
se dedicou, durante mais de dez anos, à direcção do “nosso” almanaque.
O primeiro número de “O Bombeiro” verificou-se no ano de
1885, numa época de grande proliferação, em Portugal, de almanaques, reunindo
estes “um tipo de verdades reconhecidas por determinados grupos como universais
e essenciais”.
Sobre a utilidade dos almanaques, escreveu Eça de Queiroz:
“O almanaque, com efeito, é o livro disciplinar que coloca os marcos, traça as
linhas dentro das quais circula com precisão toda a nossa vida social. (…) Só
com o almanaque sempre presente e sempre vigilante, pode existir regularidade
na vida individual e colectiva; e sem ele, como uma feira, quando se abatem as
barreiras e se recolhem as cordas divisórias, o que era uma sociedade seria
apenas uma horda e o que era um cidadão seria apenas um trambolho.”
Nas palavras do grande romancista português parece ter-se
inspirado, sempre, Oliveira Cruz, em virtude dos conteúdos compilados para “O Bombeiro”,
do qual o Núcleo de História e Património Museológico da Liga dos Bombeiros
Portugueses (NHPM/LBP) conserva exemplares das edições dos anos de 1895 e de
1904. De resto, é das páginas da segunda edição atrás referida que transcrevemos
dois documentos históricos, versando curiosas concepções: a visão de Guilherme
Gomes Fernandes acerca da extinção de incêndios; e o programa (incompleto) da
Escola do Bombeiro.
As imagens que seleccionámos para ilustrar este nosso
apontamento, pertencentes, também, ao NHPM/LBP, complementam pedagogicamente
ambos os documentos, contextualizando o período temporal em apreço, que ficou marcado
pela expansão dos corpos de bombeiros e por notáveis avanços de pendor
organizativo e técnico-operacional.
EXTINCÇÃO D’INCENDIOS
O fim principal de quem combate um incêndio deve ser o circumscrevel-o
ao menor espaço possivel ainda dentro d’esse espaço reduzir os prejuízos ao
mínimo. Par isso se se conseguir tem cada um de guiar-se pela pratica adquerida
em outros fogos, pelo seu critério e segundo circumstancias especiaes, sendo
condição sine qua non, o máximo sangue frio. Os nervosos e os que se deixam
pela febre do enthusiasmo nunca podem ser bons bombeiros.
O maior ou menor desenvolvimento que os incendios tomam
depende quasi sempre da forma como foram ou poderam ser combatidos no começo. E
esse combate nunca póde ser bem dirigido sem que previamente se faça um
reconhecimento em fórma para se descobrir o verdadeiro foco do incendio e onde
teve origem, qual a sua violencia, a direcção provavel da sua marcha e o genero
das materiais combustiveis que o alimentam e a inflammabilidade do que lhe fica
proximo e o póde fortalecer.
E’ necessario seguir-se a mesma tactica que na guerra –
antes de dar batalha procede-se ao reconhecimento das forças do inimigo, ás
suas posições, etc., para n’essa conformidade se dispôr o ataque e assegurar
melhor a victoria; e assim, tambem, na lucta contra o fogo.
Ninguem póde conformar-se com a ideia de vêr fechados os
seus haveres n’uma casa que arde; mas é necessario que isso se faça emquanto se
não effectuou o reconhecimento e os soccorros não estão a postos para o ataque.
A exclusão do ar retarda o desenvolvimento das chammas e o
contrario é fazel-as alastrar e robustecer por fórma que depois são
infructiferos os maiores esforços para as conter. E quantas e quantas vezes a
leviandade de se tentar salvar meia duzia de cadeiras ou objectos de insignificante
valor, não tem dado margem a enormes perdas!
Exceptua-se, sem duvida, d’esta regra geral a salvação de
pessoas, cuja vida corra risco eminente ou a salvação de objectos d’arte
insubstituiveis ou cujo valor exceda o dos restantes ou da propriedade, ou
quando haja documentos, ou papeis de superior importância.
Guilherme Gomes Fernandes
ESCOLA DO BOMBEIRO
Programma
A instrução tactica do bombeiro comprehende:

Escola de passo, Exercícios gymnasticos – Signaes e toques
de apitos – Nomenclatura de material d’incendios – Manobras com bombas – Idem
com apparelhos de salvação – Casa de fumo – Telephones – Algumas noções sobre
construção civil – Telephones – Algumas noções sobre construcção de predios –
Extincção de incêndios.
I - Escola de passo
Formação da esquadra – Das posições em sentido e descanso –
Das continencias – Olhar para qualquer dos flancos – Das voltas – Das marchas –
Das voltas em marcha – Dos alinhamentos – Da marcha directa – Da marcha obliqua
– Marcha de costado – Diminuição e augmento de frente na formação de costado –
Mudanças de frente – Mudanças de direcção – Formação para os flancos – Na
marcha de costado – das ordens aberta e cerrada – Destroçar e reunir – Ajoelhar
e levantar.
II - Exercicios gymnasticos
Exercicios livres – Exercicios em paralellas – Idem em
torniquete – Subidas em corda lisa, de nós e vara – Equilibrios e passagem
sobre vigas – Saltos – Escada horizontal – Exercicios com halteres – Idem nas
argolas, escaladas no portico com auxilio dos dedos.
III - Signaes e toques de apito (1)
Posição do apito – Tabella dos signaes d’apito – Disposições
geraes.
IV - Nomenclatura do material d’incendios (2)
V - Manobras com bombas
Evoluções com a bomba montada. Montar e desmontar bombas,
por tempos e para trabalho – Estabelecimento de mangueiras – Utilisação de
boccas d’agua – Idem de tanques de lôna – Reparação das bombas no local do
incendio.
V - Manobras com escadas
Armar e desarmar escada de ganchos – Subir e descer pela
mesma – Arvoragem com escadas de lanços – Idem com escada «Magirus» – Subir e
descer por estas escadas – Armar, subir e desarmar, pela escada Espinha.
VII - Manobras com apparelhos de salvação
Montagem da manga de salvação – Descer por dentro e por fora
– Dobrar e guardar malote – Salvamento pelo descençor – Idem pelo nó de cadeira
e outros – Idem ás costas dos bombeiros pelas diversas escadas.
VIII - Casa de fumo
Respiradores e sua utilidade – Forma de entrar em uma casa
cheia de fumo – Precauções a tomar.
IX - Apparelhos telephonicos
O que é o telephone – Signaes convencionaes – Precauções.
X - Algumas noções sobre construcção de predios
Cabouco – Paredes – Vigamento – Soalho – Forro –
Madeiramento – Asna – Fileira – Madres – Frexal – Varedo – Guarda pó –
Coberturas – Hombreiras – Verga – Peitoril – Soleira – Cunhal – Socco – Algeroz
– Cimalha – Escada – Patim – Pernas – Bandeira – Caixilhos das janellas –
Cortina – Parapeito – Abobadas – Pé direito – Pilar – Imposta.
(1) A 4.ª parte será explicada pelo instructor durante os
exercícios.
(2) Esta parte será ensinada, durante a 5.ª, 6.ª e 7.ª parte
deste manual.
Nota: Por suposta falta de espaço, a parte correspondente à
extinção de incêndios, transitou para o almanaque do ano de 1905.
Artigo escrito de acordo com a antiga ortografia
Site do NHPM da LBP:
www.lbpmemoria.wix.com/nucleomuseologico