O primado da velocidade
03/11/2017 09:52:33
Hoje pretendo aqui fazer, sem
rebuço nem reservas, a apologia das redes sociais, mesmo se o que aqui possa
citar deslustre muito o como se faz e o que se diz nelas. A questão está em
analisar as redes sociais, o seu papel fundamental no desenvolvimento da
sociedade actual, a sua missão fulcral no abater de barreiras e outros
obstáculos que se levantam ao debate e ao conhecimento mas, também, sem iludir
as más práticas que, na realidade, contradizem e podem por em causa todos esses
princípios e objectivos primordiais.
Como é sabido, a invenção da
pólvora mudou o mundo e, a partir daí, nada foi igual. A pólvora foi pensada e
desenvolvida na lógica do desenvolvimento e é aí que tem tido um papel
importante. O mesmo se passou com a democratização do livro há séculos atrás,
quando passou a ser objecto de consumo comum e já não privilégio de uma elite.
A história abunda em situações, particularmente em relação ao livro, que nos
identifica os temores, até os pavores, que essa revolução europeia e depois
universal causou no acesso à informação, na sua ampliação, vulgarização e
velocidade.
A pólvora, o livro e até as redes
sociais têm em comum o facto de serem, sem dúvida, excelentes ferramentas. Na
certeza de que o problema não está na ferramenta mas na forma como é utilizada.
Hoje em dia, a velocidade é uma
das maiores qualidades das redes sociais, facto que, só por si, não pode nem
deve pô-las em causa, assim se saiba tirar partido dessa qualidade, se
integrada e articulada no conjunto das restantes que também se lhes reconhecem.
Henrique Monteiro, subdirector do
jornal “Expresso” escreveu recentemente que “as sociedades passaram a preferir
avaliar a eficácia com que se transmite qualquer coisa, ao conteúdo da
mensagem”.
Este alerta é importante e
radica, não na bondade das redes sociais, mas precisamente no modo como elas
são utilizadas e para que fins.
Reconheço que ao longo do tempo,
mesmo que se reconheça que as redes sociais mal passaram da juventude, muito
tem sido feito no seu seio para as valorizar, não só nas suas performances
operacionais mas também, e em especial, nos seus conteúdos, na sua linguagem e
na sua autenticidade.
Ao fazerem-se reconhecer pela
rapidez, só por si importante na sociedade moderna, as redes sociais têm
primado também pela busca da credibilidade dos seus conteúdos. E, não sendo
obviamente um processo fácil, tendo em conta inclusive a multiplicidade de
grupos sociais e das culturas em presença, é justo reconhecer o esforço
desenvolvido no sentido de construir melhores redes sociais, mais responsáveis
e mais credíveis.
O desafio digital apresenta-se
com uma velocidade e até uma verdadeira vertigem e ebulição, porventura
entusiasmantes, mas a exigir um espírito analítico e crítico apurado para que
se tire partido dessas fascinantes características, sem cair na torrente
inebriante que possa transportar para terrenos pouco recomendáveis ou até
indesejáveis.
O apetite é grande mas o risco
associado é também enorme, facto que só por si, não pode nem deve por em causa
a ferramenta desde que a sua utilização se compagine com regras e princípios
universais.
Pedro Jerónimo, professor e
jornalista, afirmou recentemente que nas redes sociais “ a lógica do confirmar
primeiro e publicar depois tem-se invertido com demasiada frequência” e
continua, sublinhando que “hoje, mais do que nunca são precisos jornalistas
mais fiéis à ética e deontologia de sempre do que às modas ou deslumbres do
momento”.
No entender de Miguel Sousa
Tavares, as redes são “o lugar privilegiado para a ditadura da opinião e a
execução sumária e maciça de quem pensa diferente” e que”não consente qualquer
forma de defesa de quem é atacado ou de quem, simplesmente, ousa contradizer o
que o “efeito viral” já estabeleceu como verdadeiro ou politicamente adequado”.
Para o mesmo articulista, as
redes sociais traduzem “a renúncia colectiva em troca do facilitismo de tomar
como informação fidedigna o que nos dá mais jeito, o que está na moda ou o que
apenas ouvimos dizer a outros é o caminho garantido para um abismo insondável”.
Miguel Sousa Tavares lembra
também que as redes sociais acolhem tantas vezes a devassa da vida privada, a
calúnia de opinião e a execução sumária assumindo que a tudo isso se associa a
“cobardia que o anonimato consente e promove”.
As redes sociais são isto, não
são só isto, mas também são isto.

Hoje, as redes sociais, como
atrás disse, fazem-se reconhecer pela rapidez mas também, e cada vez mais, pela
credibilidade dos seus conteúdos. E, mesmo que as reservas que aqui citei e
outras possam objectar a utilização delas, em abono da verdade, é justo
reconhecer que esse panorama está a mudar e, sublinhe-se, são os próprios
utilizadores que o querem fazer.
Não se queira deitar fora aquilo
que é bom, por princípio, quando há quem não saiba ou não queira saber
utilizá-lo.
No universo dos bombeiros as
redes sociais têm evoluído de forma muito positiva. O arranque pode não ter
sido auspicioso, não em função dos projectos, desde logo positivos, mas tendo
em conta o tipo de utilização.
Hoje muito se evoluiu.
Vislumbra-se nesse domínio um patamar consolidado de amadurecimento e
consolidação também muito positivo. O escárnio e maldizer, inclusive a coberto
do anonimato, de outros tempos, felizmente, evoluiu. O dia-a-dia poderá não
ajudar a mensurar essa mudança significativa mas será injusto não o reconhecer.
Os blogues, portais, sítios
permitem hoje uma conexão rápida e positiva. Mas, mesmo com a rapidez própria
da ferramenta, importa que essa transformação, direi melhor, essa metamorfose
se faça com apuro técnico e igualmente com apuro do conteúdo.
Poderão continuar a haver no
sistema franco-atiradores ou “snipers” mas serão cada vez menos em função da
capacidade que formos tendo de valorizar e adequar esse sistema a uma ética
própria.
Comecei por falar na pólvora, no
livro e depois nas redes sociais. São excelentes ferramentas que importa saber
utilizar para que nos possam também ajudar a singrar por novos caminhos, sob o
primado da velocidade mas também do conteúdo.
Parabéns a todos os que no mundo
dos bombeiros têm sabido navegarem nas redes sociais com tanto espírito de
aventura e risco, como com tanto critério e espírito construtivo.
Desse modo, de meros
espectadores, tornam-se em excelentes e preciosos auxiliares e participantes na
mudança que se opera hoje e se vai continuar a fazer no mundo dos bombeiros.
Artigo
escrito de acordo com a antiga ortografia